06
de julho de 2006
O protagonista de Uma nova vida (The beautiful country; 2004) é um apátrida: figura comum no conturbado século XX de guerras e destruições e êxodos, indivíduo cujo sentimento de pátria e etnia é difuso e dissolve-se numa obsessão de humanidade que busca uma origem que nunca chega. Dirigido pelo norueguês Hans Peter Moland e contando entre seus produtores com o cérebro privilegiado do cineasta norte-americano Terrence Malick, o filme é uma produção internacional que agregou capitais americanos e noruegueses e, um pouco à maneira das narrativas do alemão Wim Wenders, percorre vários cenários do globo terrestre para permitir à sua personagem topar seu autêntico caminho.
Binh, vivido com realismo exemplar pelo novato Damien Nguyen, é um adolescente estranho e reservado que em seu país, o Vietnã, é visto com maus olhos por seus patrícios; motivo: Binh é um mestiço que nasceu da união (legal, por casamento) dum militar ianque com uma mulher vietnamita. Seu pai desapareceu e sua mãe é empregada numa mansão de Saigon. Depois de um episódio trágico na casa dos patrões da mãe (onde o rapaz também se empregara), Binh não tem alternativa: deve fugir e parte, de navio, em busca de seu pai, que estaria morando em Huston, Texas; acompanhado de seu pequeno meio-irmãozinho, cuja morte durante a viagem é inevitavelmente dolorosa, e relacionando-se por amizade com uma garota vietnamita que também está a caminho do sonho de chegar na América, Binh vai trilhar seu espinhoso trajeto de aprendizado pessoal e emocional.
Binh, rejeitado em seu país, é igualmente vítima do racismo na viagem e depois na civilizada América. Um mestiço: nem vietnamita, nem americano; um apátrida característico do século XX, uma figura do século passado que ainda perdura na alvorada do milênio. Binh topou seu pai; e o diretor norueguês, isolando-os num rancho do Texas, trata com delicadeza e distanciamento este estranho encontro de um pai cego com um filho desajeitado mas a quem a viagem trouxe a sabedoria para encarar este ansiado face a face com o pai.
Cabe ainda ressaltar que Nick Nolte, na pele do pai cego, utiliza todo aquele jeitão americano de ser, aquela coisa de rude ator de faroeste que cai bem nas emoções buscadas por Uma vida nova; Nolte já vivera com adequada medida um pai que, ao relacionar-se com o neto e a nora, evocava seu filho morto por overdose de drogas na realização francesa Clean (2004), de Oliver Assayas, outro filme sobre relações conjugais internacionais; isto é, Nolte com os anos aprendeu a dominar sua canastrice inata em benefício de algum poder de intérprete que ele possa ter.
Pode-se reprovar em Uma vida nova um certo ritmo arrastado e uma timidez em penetrar mais agudamente em seu tema; mas são pequenos senões que não impedem o filme de ser um digno espetáculo cinematográfico.
Por
Eron Fagundes